quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Os sapatinhos vermelhos

Ora aqui está mais um conto infantil digno de integrar a Coleção "Formiguinha". Isto sim, são histórias! As telenovelas, ao pé disto, são desenhos animados.
Era uma vez uma catraia "que tinha tanto de linda como de pobrezinha". Começa bem, não começa? Como não havia dinheiro para mais, a miúda era obrigada a usar "chancas" que lhe magoavam os pézinhos. Um dia a mãe lá se comoveu e compra-lhe umas sapatilhas vermelhas. Sim, leram bem. Não foram uns chinelos de meter o dedo nem uma coisa mal amanhada. Passou de umas chancas para umas sapatilhas vermelhas, se calhar, umas vans. Mas no dia em que a menina ia estrear as sapatilhas, a mãe morre. Pimba. Uma morte, logo na primeira página. Isto promete. Bem, a miúda vai ao funeral da mãe mas já não vai de chancas. Leva as sapatilhas vermelhas, "cor tão contrária ao luto". Mas a miúda estava nas tintas, porque gostava muito "das cores espalhafatosas". Mai nada. Está ela a caminho do cemitério, passa uma velha que diz que toma conta dela e a miúda lá vai (a vida é feita de oportunidades, não se pode pensar muito)! Mal chegam a casa, a velha manda queimar as sapatilhas e dá-lhe professoras (sim, leram bem, é mesmo professoras) que lhe ensinam a ser prendada. Pergunta: que diferença faziam as sapatilhas à velhota?
A miúda começou a ficar cheia de manias, porque era linda de morrer e o seu espelho dizia-lhe isso mesmo. Depois aparece na história a rainha e a sua filha, também muito gira, por sinal. E o que é que ela calçava? Uns sapatos vermelhos (estavam na moda, por aquelas bandas). Toda a gente fica admirada com a beleza da princesinha e a miúda passa-se dos carretos e chateia-se com o espelho que lhe dizia que ela era "a mais linda das rapariguinhas" (valha-me Deus). O espelho diz que, se ela tivesse uns sapatinhos vermelhos, seria tão linda como a outra. A miúda aproveita a Comunhão Solene que se avizinha e vai comprar uns sapatos. A velhota, como vê mal, vai na cantiga da moça, e, em vez dos sapatos brancos que pretendia, traz os vermelhos (nem o meu pai, que é daltónico, confunde branco com vermelho). No dia da Comunhão Solene toda a gente repara, escandalizada, no calçado da miúda, mas esta não está nem aí e pensa que estão todos a reparar na sua beleza. Ora esta convencida está mesmo a precisar de um castigo e, como sabemos, a Coleção Formiguinha não perdoa! Um mendigo lança-lhe um feitiço e a miúda começa a bailar e não pára. Tanto baila por lá fora que vai ter a outra igreja onde está um anjo, com uma espada em chamas na mão e que reitera o castigo. Está a miúda nestas andanças, quando se cruza com o enterro da sua protetora (e já lá vão duas mortas), ficando assim sozinha no mundo. E o que é que ocorre à miúda? O óbvio! Vai ter com um cirurgião e pede-lhe para que este lhe corte os pés! Não me digam que não pensavam o mesmo? A mãe morre, a protetora morre - por favor, cortem-me os pés que eu estou sozinha no mundo! "O homem, cheio de pena, satisfez-lhe a vontade". Podia ter-lhe ocorrido ficar com a miúda mas pedidos são pedidos, não se deixa uma criança com um pedido por satisfazer! Como o cirurgião tem bom coração, não a deixa assim com os toquinhos e arranja-lhe uns pés de madeira e ainda... umas muletas! Bravo! A miúda perde a mãe, a protetora e os pés mas ganha um fantástico prémio! Uns pés em madeira (sem caruncho, completamente novos!) E umas muletas!
Metem-se mais umas frases sem nexo nenhum (não é que as anteriores tivessem algum, mas aqui abusam) e aparece de novo o anjo, não com a espada mas com um ramo de rosas brancas e "tomando-a nos braços, conduziu-a à presença do Senhor".
Segunda pergunta: o que é que o(s) autor(es) destas histórias andavam a cheirar? Bolas, é que isto não lembra nem ao maior louco!
Penso que esta história bateu todos os recordes. Nunca tinha morrido tanta gente, em apenas 16 páginas de conto infantil.