sexta-feira, 19 de julho de 2013

Os sete encantados

Voltamos às grandes histórias da Coleção "Formiguinha"! O início é um clássico: uma miúda vive com a sua avó e são pobres que até doi. Mas muito asseadas! A avó borda e a miúda vai para a rua vender os bordados. Um dia a avó faz uma gola bordada a ponto de cruz e diz para a miúda a vender por três moedas de prata. A tarefa é difícil, como é bom de adivinhar. Cansada, a moça acaba por entrar num rico palácio, encontra três moedas de prata, gama-as e deixa lá a gola. Mas quando vai a sair encontra as portas fechadas. E para o que é que lhe dá? Para começar a limpar e a varrer! (É mesmo a primeira coisa que ocorre, não é? Entro num sítio, quando vou a sair vejo a porta fechada e... Ah! já sei! Vou começar a fazer limpeza!)
Continuando: à meia noite levanta-se muito vento e um coro brada: "Benvindo seja quem, com os sete encantados, houve tamanhos cuidados". Os sete encantados comem e bebem à fartazana, ainda pedem à cachopa para lhes lavar a cabeça (?). Esta satisfaz o pedido e eles dizem-lhe que, mal pare a ventania, ela deve colocar a gola e pôr-se à varanda, que terá sorte. Mas não deve aceitar casamento sem antes consultá-los. A miúda faz o que lhe mandam e um rei, que mora em frente, diz-lhe: "Ó menina da gola, quer mudar de gaiola?" (?) A rapariga consulta os "irmãos" que lhe dizem que ela deve casar-se mas não pode voltar a abrir a boca sem que o rei diga, primeiro, "Pelos sete encantados". Está tudo muito bem, mas o rei não gosta da rapariga muda (seria a alegria de tantos, uma mulher assim, caladinha! Bem se diz que Deus dá nozes a quem não tem dentes). E então fecha-a num quarto e, esquecendo-se dela, casa com uma princesa. (Entretanto a avó deve estar a criar teias de aranha, à espera da moçoila). E é aqui que a coisa anima. Uma criada diz ao rei que a legítima corta a cabeça, penteia-a no regaço, e volta a colocá-la no lugar. A princesa, acabadinha de casar, ouve aquilo e, não querendo ficar atrás da legítima, zás, corta também a cabeça mas "morreu logo". (Logo, logo? Não ficou ainda a esbracejar um bocadinho, como as galinhas?) O rei fica muito triste e, para recuperar, casa com outra moça. A criada volta a fazer das suas e diz ao rei que a legítima, quando fia e lhe cai o fuso, corta a mão, que logo o vai apanhar e torna depois a colocar a mão no seu lugar. (WTF?) A segunda (diz o livro, porque pelas minhas contas é a terceira) esposa do rei, ouvindo isto, corta a mão "e morreu dentro em breve, mercê da infecção sobrevinda" (Sim, que fiquem bem claras as causas da morte, que isto de cortar a própria mão não causa a morte a ninguém. Não fosse a porcaria da infecção, ainda hoje a jovem estava aos pulos, feliz e contente). O rei, inconsolável, vai pedir conselhos à mãe que lá se lembra de lhe dizer para ele pedir pelos sete encantados. O rei assim faz e a miúda responde-lhe: "Doravante falarei pelos cotovelos, pois Vossa Majestade já aprendeu". Mas aprendeu o quê? Como é que o pobre se havia de lembrar de pedir alguma coisa "pelos sete encantados"? A história termina por aqui, mas eu acho que o rei arrependeu-se pela vida de seguir os conselhos da mãe...

terça-feira, 16 de julho de 2013

Isto assim não presta

As histórias da famosa coleção "Formiguinha" estão a perder qualidade e, por isso, hoje vou apresentar duas. Não há batatada, nem ninguém que é enterrado, nem ninguém que tira os olhos para pagar um pedaço de pão e uma pinga de água e, depois, é lançada ao mar e, depois, volta a pôr os olhos no sítio. Isto assim, definitivamente, não presta! Onde está o drama, o terror, o medo? Parecem histórias destes tempos, palavra de honra!
A primeira história de hoje chama-se "Canta, surrão!" Ora, para quem não sabe, como era o meu caso, surrão é "a bolsa de couro usada pelos pastores para levar o farnel", segundo o Dicionário de Língua Portuguesa. A história fala de uma viúva e de sua filha, Beatriz, que era uma menina muito curiosa. Depois de pormenores que não interessam, a menina acaba no surrão de um velho (ganda farnel que o pastor levava, para caber lá a cachopa!) e este ganha a vida a dizer que o seu surrão canta. Quando diz: "Canta, surrão senão levas com o bordão", a miúda põe-se a cantar e as pessoas, impressionadas, dão dinheiro (impressionavam-se com pouco, diga-se de passagem). As autoridades acabam por descobrir tudo e o velho, de castigo, é obrigado a trazer o surrão cheio de pedras. A miúda, com o susto, ganha juízo. Francamente! Isto é história que se apresente numa coleção desta natureza?
A outra não é melhor, cheia de lições de moral e essas coisas. Chama-se "O Rei e os sabichões". Era uma vez um rei que tinha três conselheiros muito sábios e gabarolas. O rei, um dia, decide dar-lhes uma lição e fala em código com um velho. Os sábios não percebem nada, o rei ameaça despedi-los se não conseguirem deslindar o código; os sábios, aflitos, vão às escondidas ter com o velho que lhes revela o que queria dizer a conversa mantida com o rei e, como paga, exige que os sábios se dispam (?). O rei entretanto aparece e diz: "O verdadeiro sábio é sempre humilde, porque quanto mais sabe, mais percebe que ainda lhe falta saber". E como o velho ainda tinha três filhas para casar, o rei aconselha os sábios a oferecerem bons dotes às moças. Saiu-lhes cara, a brincadeira! Vamos lá ver se, com o decorrer da coleção, isto volta a animar.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O tesouro do ceguinho

Ora aqui temos finalmente uma história que podiamos contar às crianças de hoje, sem que estas tivessem que ir a correr, traumatizadas, para o psicólogo. Esta história, se fosse escrita hoje, teria como título "O tesouro do invisual" e contaria, na mesma, a história de um ceguinho que pedia às portas das igrejas e nas festas, amealhando, assim, bom dinheiro. Esse dinheiro era colocado numa panela (esperto, o ceguinho, não queria nada com a banca e era o que ele fazia melhor) e enterrado debaixo de uma figueira (se calhar no buraco que ficou aberto quando desenterraram a miúda da outra história). O grande problema é que o ceguinho ia frequentemente fazer os seus depósitos, o que despertou a atenção de um vizinho que, depressa, foi lá e gamou o dinheiro todo. O ceguinho, quando voltou à panela, encontrou-a vazia e logo desconfiou do vizinho, por não haver por ali mais ninguém. (Não primavam pela esperteza, os dois). Mas o ceguinho não entra em pânico e trata é de pensar num bom plano. Assim, vai a casa do vizinho da figueira e diz-lhe que tem andado a juntar dinheiro e que estava a pensar deixar-lho, quando morresse, por ele ser tão bom vizinho. E acrescentou que tinha mais dinheiro, noutro buraco e que, um dia, juntaria esse ao dinheiro que estava na panela, debaixo da figueira. O vizinho, ao ouvir estas palavras, apressa-se a pôr a panela e o dinheiro no sítio onde estava. "Os tempos iam de careza, e o que roubara mal chegava para fazer uma casa", diz no livro. "Agora, se ele fosse mais um bocadito, isso sim, daria para viver à tripa forra, gozando cama de molas e colchão de sumaúma, boa mesa e outros luxos". Bem, aqui teria que se fazer uma adaptaçãozita, pois estes bens materiais não dizem nada às crianças. Seria melhor substituir por: "daria para viver à grande e à francesa, gozando de boas férias nas Caraíbas, de um plasma de 5x4m, de um Ipad, Ipod, Playstation último grito, MP6, tablet e outros luxos". Está visto que o ceguinho foi logo lá buscar a panela com o seu tesouro e, depois, passou por casa do vizinho dizendo-lhe, muito desgostoso, que a panela tinha sido roubada. Eu sei que sabe a pouco, mas a história é mesmo só assim: não há porrada, ninguém escarranchado, ninguém enterrado, ninguém tira os olhos para pagar um pouco de pão e uma pinga de água e ninguém é esfolado. Pode ser que amanhã isto anime. Bons sonhos.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A menina dos cabelos de oiro

Após um curto intervalo, voltamos às belas histórias da Coleção "Formiguinha", algumas delas autorizadas pela Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores", como é o caso desta. Havia um casal que tinha um casal de filhos e estava, como nós todos nos dias de hoje, a passar dificuldades. Sem meias medidas o patriarca diz à mulher que o melhor é matar uma das crias, pois seria "menos uma boca a pedir pão". Começa bem, não começa? Eu bem avisei!
O miúdo estava ainda acordado, ouviu a conversa, acordou a irmã e puseram-se os dois na alheta. Adormeceram na floresta e logo apareceram três fadas. Uma diz que a menina será a cara mais linda do mundo; a outra dá-lhe umas mãos prendadas e a outra deseja que quando a menina se pentear, caia ouro dos cabelos. Em coro, as fadas gritam para que dos meninos se afastem lobos, ursos "e outros males que pela terra vão". Quando amanhece as duas crianças vão ter a casa de uma velha muito feia que tinha uma filha ainda mais feia. Os miúdos, claro está, são tratados mal e porcamente até que um dia o miúdo precisa de uns sapatos, a irmã escova o cabelo e o puto lá leva o ouro para trocar em tostões. O ourives pergunta-lhe como conseguiu ele o ouro e o miúdo bufa tudo. O ourives conta ao rei a história e os dois, achando que aquilo é uma valente patranha, encerram o miúdo numa torre, cuja janela dá para o mar. Depois manda vir a miúda à sua presença (não teria sido melhor fazer ao contrário? Era só uma sugestão...) A velha, entretanto, decide matar a miúda à fome e sede e esta, já completamente faminta e desidratada, implora por um bocadinho de pão e água. A velha diz que lhos dá mas, em troca, quer os seus olhos!!!! Eu avisei que esta história era das boas! A miúda lá lhe dá os olhos mas entretanto, como a velha recebe a ordem de levar a miúda à presença do rei e não querendo ser castigada, lança a miúda ao mar e vai com a sua filha, fazendo-a passar pela outra garota. Entretanto as fadas deviam estar a nanar porque só agora voltam em socorro da pobre (acreditar em fadas é no que dá! Então onde estavam elas para afastarem os miúdos de todos os males? Promessas, é o que é!) Bem, as fadas lá pegam na miúda e põem-na junto do irmão. Entretanto a pequena pede papel ao carcereiro, faz um lindo ramo onde não faltou o ouro e pede ao carcereiro para o vender por um par de olhos (coisa acessível, não deve ter demorado nada a fazer negócio!). A velha, que entretanto tinha os olhos que sacou à miúda, fica com o ramo e dá os olhos que a própria miúda volta a pôr no sítio (quais cirurgia, quais carapuça!). O rei toma conhecimento de toda esta história e verifica que a miúda que está encarcerada é que deita oiro pelos cabelos. Pergunta qual é o castigo que a menina quer dar à velha e a menina não vai de modas: "quero que da sua pele se faça um tambor e dos ossos uma cadeirinha para eu me assentar". Mai nada! Eu não disse que tínhamos voltado às histórias infantis em condições?

Mais detalhes

Os convidados ficaram lá perto, mas não chegaram aos 100. Foi o Grupo Coral de S. João que cantou na cerimónia na Igreja. Os aperitivos foram servidos dentro da Albergaria S. Cristóvão (ao contrário do previsto) porque estava uma ventania medonha. Houve um percalço com o meu vestido. Da vez que fui à loja para fazer os arranjos necessários, deparei-me com um vestido tamanho L. Enganaram-se e mandaram o meu para Lisboa e veio um L de Lisboa para aqui. Quando o vesti, nem se segurava nos ombros. Eu fiquei sem pio, mas a minha mãe armou banzé suficiente e logo fizeram a troca. Quando casei pesava 43 quilinhos. Não havia temas nos casamentos. O convite e a ementa foram comprados no Estúdio Nobre (onde se situa hoje a Natalia Cabeleireira) e não tinham nada a ver um com o outro. Aliás, nada era a combinar. Os marcadores de mesa foram feitos em casa por mim e pela mummy. As lembranças de casamento foram compradas no Porto e era um casal de noivos em cima de uma caixinha e nessa caixinha estavam dois bombons.

20 anos: as conquistas

Temos duas filhas lindas. Temos mais sobrinhos. Temos dois sobrinhos netos. Temos menos um amigo insubstituível. Não temos contacto com alguns dos amigos que estiveram no casamento, mas ganhámos outros! Continuamos a ter a mesma família adorável.
Temos quase um apartamento. Temos um carro. A casa mobilada ao nosso gosto (alguma mobília já tem 20 anos, alguns cortinados também!). Uma máquina de lavar roupa que lava, quase ininterruptamente, há 20 anos! A mesma máquina de lavar louça (trabalha pouco). A televisão de há 20 anos também ainda cá está.

Dia de Casamento - as presenças e as ausências

Não consigo deixar de pensar nas muitas pessoas que estiveram no nosso casamento e que já não estão entre nós. Há uma que tenho que destacar, porque a sua ausência mudou a minha (nossa vida) para sempre. A partida precoce (tão precoce) do João Armando mudou tudo: até a minha forma de ver a vida e a morte. Sim, ao olhar para as fotografias, é a ausência que doí mais. Mas foram muitos mais os que partiram, entre familiares e amigos, serão talvez uns 15... mas também não posso deixar de olhar para o outro lado, felizmente maior, dos muitos que se juntaram a nós nestes 20 anos! Sim, foram muitos mais os que nasceram, contei, assim de repente, 26! E muitos os que se juntaram por força do namoro e do casamento, mais de uma dúzia!

Dia de Casamento - os detalhes

São 20 anos, não é para qualquer dois! Uma data tão redondinha merece um balanço mais detalhado. Por isso, vamos aos detalhes! O fato do Abel (e acho que a camisa, o laço e a faixa) foram comprados no Porto, na Rua dos Clérigos. O meu vestido foi comprado na Pronovias, numa loja que existia no antigo Carrefour. Fui só eu e a minha mãe comprar o vestido. Experimentei talvez uns sete e quando vesti o que comprei disse para mim: é este! Os sapatos foram comprados na Sapataria Eugénio, em S. Miguel, que já não existe. O meu ramo, que estava lindo, foi a Saudade que o fez, na sua loja que se situava no Centro Comercial Garrett e que também já não existe. O cabelo foi penteado na Locas, que se situava no cantinho do Centro Comercial Garrett (o cabeleireiro ainda existe, mas mudou de localização, embora se situe no mesmo centro comercial). A cerimónia foi na Igreja Matriz, porque a Igreja de S. João estava, na altura, em obras. Quem celebrou foi o Padre Bastos e as leituras (as duas e a oração dos fiéis) foram feitas pela Branca, pelo João Armando e pela Mira. A reportagem fotográfica e o filme estiveram a cargo da Alice Nobre e do Gaspar. A boda foi na Albergaria S. Cristóvão (agora Aqua Hotel). O meu véu e as flores que levei no cabelo vieram de Espanha!

terça-feira, 9 de julho de 2013

A noiva do príncipe sério

Ontem o príncipe tinha orelhas de burro; hoje o príncipe não se ri. Em frente ao palácio vivem avó e neta: a avó ambiciosa e a neta feia que nem um bode (começa a ser recorrente isto de haver, nas histórias, sempre alguém feio que nem um bode). Bom, a avó teima que tem que casar a neta com o príncipe, mas recomenda ao Rei que tem que ser às escuras, porque a moça é muito envergonhada. Um sapo chiba-se e diz ao Rei que a miúda é um susto, daí a avó querer casá-la às escuras. Por isso, ao contrário do combinado, o Rei manda acender todas as luzes do palácio e a moçoila fica ali exposta em toda a sua fealdade. E agora vem o melhor: não satisfeito com isto, o Rei manda que lhe seja tirado o vestido (que ele havia dado) e "ponham-na nuazinha à varanda do palácio"? A sério? C'um caneco! Era preciso tanto! Nossa, que biolência! Ora o príncipe, ao regressar ao palácio (então o moço não devia estar dentro do palácio? Não se ia casar?) olha para a varanda e põe-se a rir (?)Que história tão tonta! Ainda bem que aparece uma fada que torna a miúda numa belezura, com a condição de que esta diga, a quem lhe perguntar, que ficou assim porque um barbeiro a esfolou (?) Mas então a miúda não estava na varanda? Como pode um barbeiro tê-la... esfolado? (Até doi, escrever esta palavra). O que é certo é que o Rei, ao ver o filho a rir-se, decide perdoar a menina e, indo ao encontro dela, descobre uma jovem muito bela. O príncipe quer logo casar com a bonitona e no dia da boda, a avó pergunta à neta como ficou ela assim. A neta responde-lhe o combinado com a fada e a avó logo corre para o primeiro barbeiro e pede-lhe que a esfole (ai Jasus!). O barbeiro, pelos vistos, não se faz rogado (estou a ver: o mais normal era mesmo entrar alguém pelas barbearias dentro, a pedir: esfola-me! Esfola-me!). O resultado foi o previsível: a avó morreu (já há muito que não havia uma morte assim trágica... já estavam a ficar com saudades, não estavam?) "para castigo da sua vaidade". Minha Nossa Senhora! E ainda continuam a achar que quem leu estas coisas deu em pessoas com o juízo todo?

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O Príncipe com orelhas de burro

Temos aqui um conto que é uma versão masculina da Bela Adormecida. Pelo terceiro conto consecutivo, não são enterradas pessoas vivas, mas é enterrado um segredo. Volta a aparecer uma cana, transformada em flauta, e que fala. Resumindo: a imaginação do autor dos contos começa a dar de si... Mas vamos ao que interessa: era uma vez um Rei, que não consegue ter filhos. A solução passa por ir chamar as três fadas à floresta. Lá aparecem as três fadas que garantem que o Rei conseguirá ter um filho se prometer que as chamas para o batizado. O Rei promete que as chama e como isto tudo ainda era escrito numa altura em que se cumpria o que se prometia, no dia do batizado lá aparecem as três (o que não devia custar ser chamada para uma festa!). A Bonita determina que o príncipe seja bonito; a Sabichona determina que ele seja inteligente e a Sensata determina que ele nasça com orelhas de burro (uma decisão mesmo, mesmo muito sensata, fiquei a perceber porque era ela a fada Sensata!) Cumprem-se os votos das fadas, o puto lá cresce a menor ritmo do que crescem as orelhas que são ocultadas por um barrete que ele usa sempre. O puto é um convencido sem igual, menospreza tudo e todos até que, no primeiro dia em que o rapaz tem que desfazer a barba, o barbeiro descobre toda a verdade. O Rei ameaça mandá-lo para a forca se ele revelar o segredo e o barbeiro, a conselho do abade, para se livrar do peso de guardar tamanho segredo, abre um buraco e grita para lá o seu segredo, enterrando-o de seguida. É nesta altura que lá nasce um canavial e que um pastor pega numa cana, transforma-a em flauta, leva-a aos "beiços" e esta grita "O Príncipe tem orelhas de burro". O segredo deixa de o ser e o rapaz toma juízo e pede desculpa a todos, por ter zombado deles, tendo ele próprio um defeito daquela envergadura. E é então que a fada Sensata lhe dá umas orelhas giras, autoproclamando-se salvadora da pátria: "se não sou eu tinhas permanecido um vaidosão! Mas como estás curado do defeito, não há motivo para continuares orelhudo". Começam a ser maçadoras, estas histórias... Sem pancadaria tornam-se mesmo sensaboronas.

domingo, 7 de julho de 2013

O peixinho encantado

Mais uma encantadora história desta encantadora coleção. Este conto tem semelhanças assustadoras com a atualidade. Reparemos, pois. A Ti Rosa é viúva, não tem dinheiro e, como se isto não bastasse, tem um filho feio e idiota. Até aqui, tudo mais ou menos bem. Para além dos dois defeitos já citados, o moço tem mais um - é malandro que se farta. E agora, atentem nas semelhanças: "para se sustentar e ao filho comilão, a Ti Rosa trabalhava, pois, de sol a sol..." Não fique triste, Ti Rosa, é o que acontece ao povo português!
Um dia, um vizinho decide levar o moço para a floresta, para que este o ajude a carregar a lenha. O moço lá vai, volta carregado que nem um burro e senta-se na beira de um riacho, onde lhe aparece um peixinho vermelho. Este promete ao rapaz que se não o matar, ele faz-lhe as vontades todas. O moço pede-lhe que o molho de lenha se transforme em cavalo. E logo o João (assim se chama o rapaz) "achou-se escarranchado no feixe". No caminho passa pelo castelo e, vendo a princesa à janela, logo deseja que lhe apareça um inchaço nas costas que só ele seja capaz de curar. (Era mesmo idiota! Quem se lembraria de uma coisa destas?). Assim acontece, o rei promete a mão da filha a quem a curar, o moço vai lá mas o rei decide testar o "curandeiro". Pede-lhe, primeiro, que apareça à sua frente muito dinheiro e aparece!(João, vem aqui a casa, por favor, eu não te chamo idiota, mas faz a mesma magia, fazes?); depois pede-lhe para que se transforme num rapaz "bonitão e ajuizado" (bonitões dispensamos, mas se puderes pôr juízo em algumas cabeças, agradecíamos também) e, vendo que o rapaz é mesmo poderoso, permite que o João cure a princesa e se case com ela (desconfiado, o rei, não?). E pronto! Mais uma vez não há ninguém enterrado vivo e ninguém leva uma tareia de caixão à cova. Estão a perder qualidades, estes contos.

sábado, 6 de julho de 2013

O rapaz do cavalinho branco

Este é o número três desta fantástica coleção "Formiguinha" que, não sabendo eu que tem décadas, diria que tinha sido escrita hoje. Isto porquê? Já vão perceber. Esta é a história do feiticeiro Barba-Vermelha (podia ser barba de outra cor qualquer pois, como é do conhecimento geral, os desenhos do interior são a preto) e do seu sobrinho Martinho. O velho vai fazer uma viagem e entrega ao sobrinho duas pesadas chaves, de duas portas (porque é que tudo, nos últimos dias, leva a portas?) e diz ao garoto para não as abrir, caso contrário, mata-o. O velho não leva as chaves consigo, porque são muito pesadas. Primeira pergunta: o velho não é feiticeiro? Não podia transformar as chaves pesadas em chaves leves ou até em rolhas de cortiça, ou noutra cena qualquer?
Continuando: o puto, mal o velho vira costas, é claro que vai logo abrir uma porta. Aparece-lhe um lobo e ele fica aterrorizado, fechando a porta de seguida. O que o puto não estava à espera era que aparecesse o tio, irritadíssimo com a desobediência. (O velho não consegue transformar as chaves noutra coisa, mas consegue voar de um sítio para o outro. Bem se diz, cada um é para o que nasce). O feiticeiro tem pena do sobrinho e perdoa-lhe a desobediência. O puto, não satisfeito com a primeira alhada, logo se mete na segunda e abre a outra porta. Aparece-lhe um cavalo branco e, claro está, o tio. O cavalo diz ao miúdo para pegar num ramo, numa pedra e em areia e saltar para cima dele (isto também me lembra alguém mas, de momento, não estou a ver quem). O miúdo assim faz e, enquanto o tio corre atrás dos dois, o puto larga o ramo e logo surge uma densa floresta; depois a pedra e surgem montanhas e depois a areia e surge um mar revolto. Resumindo: o cavalo é muito melhor feiticeiro que o Barba-Vermelha, é pena não vir o seu contacto telefónico no final do livro.
Tudo termina com a chegada do miúdo a uma aldeia onde todos choram o rapto da princesa, por um gigante. O Martinho recorre mais uma vez ao cavalo para ir salvar a princesa, salva-a; ainda volta à ilha porque a fulana tinha perdido o anel que a fada madrinha lhe tinha dado (exigentes, estas mulheres, bolas!) e acaba por casar com ela. Confesso que não percebo muito bem o final mas, como tinha dito, parece-me uma boca para um certo político da nossa praça: "esta (a princesa) lembrou ao pai que palavra de rei não volta atrás". Pois. Palavra de rei é irrevogável. Até voltar atrás. Durmam bem.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

As caras trocadas

Confesso que esta terceira história deixou-me algo desiludida... há pouca emoção e, pior do que isso, ninguém é enterrado vivo. Era um estilo a que já me estava a habituar e que foi abruptamente interrompido... vamos lá ver se a quarta história repõe a adrenalina.
Bem, esta é a história da Cinderela, mas mais mal amanhada, diria eu que é a história da Cinderela para pobres. Temos mais uma vez um viúvo que tem uma filha, linda de morrer e que casa com uma mulher, de quem tem outra filha, mas feia que nem um bode (não sou eu que digo, é o senhor que adaptou o conto e que se chama, ou chamava, João Sereno). Tenho que fazer aqui um parêntesis (é o que dá a história não ter ponta por onde se lhe pegue) para dizer que, no fim, alguns destes livros (suponho que os mais antigos) dizem assim: "Autorizado pela Comissão de Literatura e Espetáculos para menores". Ficamos a saber que isto das Comissões para tudo e para nada já não é de hoje. Há décadas atrás existiu, como os livrinhos comprovam, uma Comissão de Literatura e Espetáculos para menores, com um bom senso desgraçado, bem se vê. Há coisas, de facto, que nunca mudam.
Mas vamos ao que interessa: a esposa do viúvo tratava muito bem a filha de ambos e mal e porcamente a enteada. Um dia mandou as duas guardar uma vaca e deu à filha um lanche do melhor e à enteada uma "bolorenta côdea de broa". Apareceu, entretanto, uma fada que pediu algo para comer. A filha virou-lhe a cara e a enteada partiu logo ao meio a sua côdea. Permitam-se que discuta aqui a bondade genuína da enteada... é certo que deu o que tinha mas... uma bolorenta côdea de broa? Quem não gostaria de se livrar dela? Bom a fada achou o gesto muito bonito e, como estávamos numa altura em que os bons eram premiados e os maus castigados (isto deixou-me nostálgica... já não via disto há muito tempo...) trocou as caras das cachopas. Ao chegarem a casa, a mãe pensou que a giraça era a enteada e fechou-a na cave e à outra deu-lhe mimos e mais mimos. Depois entra na história um príncipe, como não podia deixar de ser, e tomou-se de amores pela enteada a quem a fada tinha restituído a beleza, às escondidas da madrasta. A giraça casa, a madrasta quando a vê "teve um chilique" e "segundo consta", mãe e filha "rebentaram então de inveja". Não há pessoas enterradas vivas mas há duas que rebentam... e, tendo em conta a violência das histórias anteriores, fico na dúvida se este rebentamento é uma metáfora ou se é mesmo um rebentamento.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

As três maçãzinhas de oiro

A história de hoje tem algumas semelhanças com a de ontem, já que há também uma criança que é enterrada viva, se bem que está menos viva que a Rosalinda de ontem, o que pode ser uma atenuante. Bom, esta é a história de três irmãos, um lindo de morrer (olhos azuis, cabelo loiro e faces rosadas) e outros dois feios e invejosos. O bonitão é pastor (trabalho infantil) e quando vai guardar as cabrinhas vê uma macieira, carregada de maçãs e apetece dar uma trinca (raios partam as maçãs e os humanos! E o povo ainda se admira que eu não goste de fruta!) Como, para além de ser um gato, tem princípios sólidos, não rouba as maçãs e vai à sua vida. Já na serra, aparece uma fada que lhe dá três maçãs de oiro! Nos dias de hoje, o puto tinha deixado as cabras e tinha ido logo à Ourivest trocar aquilo em patacos. Mas, na altura, guardou o tesouro que o salvava (a ele ou a qualquer outro proprietário) da morte. Só que pelo caminho os irmãos viram o tesouro e como o primeiro não lhe deu nada, eles bateram-lhe e deixaram-no como morto, tendo-o enterrado depois. De salientar que não conseguiram gamar as maçãs, porque o miúdo, mesmo moribundo, agarrou-as com unhas e dents. Ontem, a miúda, se bem se lembram, ficou com os cabelos de fora; hoje nasceu uma cana no sítio onde o miúdo foi enterrado. Ora essa cana, quando foi cortada, falava e resumia a história do miúdo. A gaitinha passou, literalmente, de boca em boca (que porcaria), até que foi parar, e agora têm mesmo que prestar atenção, "aos beiços" dos pais do garoto! "Beiços" é giro, não é? Os pais, espertos, viram logo que era a história do filho, foram ter à campa e hoje, tal como ontem, o miúdo estava vivo! Deu as maçãs aos pais, estes viveram até se cansarem da vida e quando já estavam fartos deram as maçãs ao filho para poderem morrer (é que com as maçãs na sua posse, nunca mais iam desta para melhor, lembram-se?). O puto fez a mesma coisa para com o seu filho. "E depois? Morreram as vacas, ficaram os bois". Já fazia falta uma alusão à morte. Ainda bem que a história tem este final. Mas esta mania de andarem a enterrar toda a gente começa a ser um bocadinho incomodativa, não?

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A menina e a figueira

Inicio, hoje, uma nova rubrica neste blog. Tudo porque ontem me deu para andar aqui a vasculhar caixas e descobri uma, com livros da famosa coleção "Formiguinha" lá dentro. Estes livros, aparentemente inofensivos, explicam muita coisa. Foram lidos por várias gerações, incluindo, com toda a certeza, pela geração que nos governa.
Começo pela história intitulada "A menina e a figueira". O título é bonito, é brando, nem faz suspeitar do que encontraremos lá dentro. O texto começa logo sem meiguices, para não iludir ninguém. "Nosso Senhor levara para junto de si a mãezinha de Rosalinda". Pumba. Mai nada. Logo uma morte para verem quem é que manda aqui e para descobrir quem os tem no sítio para continuar a leitura. Ora a Rosalinda fica órfã de mãe, o pai apressa-se a arranjar mulher e esta não é o que parece. Na frente do marido é toda mesuras, mas por trás trata a miúda do piorio. Uma das tarefas que lhe dá é que esta guarde uma figueira, para que nenhum pássaro roube os figos. O que vem a seguir, não tem qualquer conotação política, mas é o que lá diz. Aparece um coelho que distrai a menina e vem um pássaro, nesse entretanto, e leva um figo. A madrasta fica doida e enterra a menina viva, deixando-lhe, apenas, os cabelos de fora (?). O coelho AJUDA (sim, no livro o coelho ajuda a menina, fazendo um túnel até ela por onde lhe leva comida e bebida para que a menina "ficasse comodamente instalada"). De realçar que já naquela altura a noção de comodidade por parte dos coelhos era bastante desajustada da realidade). Bem, entretanto chega o pai da moça, toma conhecimento do desaparecimento da filha, junta-se um príncipe à mistura, o pai vai cortar feno para o burro do príncipe (sem querer insultar o príncipe) e, como era de noite, agarra nos cabelos da filha a pensar que era o tal feno. A miúda grita uma cantilena, os dois apercebem-se que é a garota desaparecida e desenterram-na. A miúda chiba-se toda, eles perguntam que castigo quer ela para a madrasta e ela, como era "boazinha" (mais para o burra mesmo) diz que quer que a madrasta fique a guardar as figueiras dos jardins do palácio. Vai daí o príncipe "sem demora pediu a Lourenço a sua mão" (não fica claro se pediu a mão da miúda ou do próprio Lourenço podendo dizer-se, por isso, que a discussão sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi iniciada há décadas.
Depois disto tudo, acreditam que as gerações que leram isto podem ser normais?