segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Crónica número 6

“Sabes quem morreu? A R., não sei se conhecias”. A soma de mais um pormenor ao nome fez-me concluir que sim, conhecia. Foi uma doença que a levou. Uma doença má, implacável, cruel, traiçoeira. Atacou-a e não a deixou defender-se. Injustiça. Recordei-me da última vez que trocamos umas palavras, faz no próximo mês de Maio um ano. Ela e eu, com outras pessoas e filhas, na estação de Ovar, rumo ao Rock in Rio. Ela e eu, acabadinhas de ceder aos pedidos insistentes das filhas e a embarcar numa viagem que, sem sentido para nós, acabava, pelas crianças, por ter todo o sentido do mundo. A R., uma mulher aparentemente saudável, cheia de energia, com uma maneira de falar e sorrir única, morreu. Teletransporto-me, num segundo, para a sua casa, que não conhecia, e para a sua família, que conhecia mal. Mas projecto para lá a minha própria família, a dor, o desnorte. Sinto as suas vidas a tornarem-se diferentes para sempre, uma mãe é uma mãe e sendo uma mãe a sério, como a R. seria, fará sempre uma falta imensa, deixará sempre um vazio profundo, intenso, constante, cortante. Os anos que separavam a R. de mim eram poucos, o que torna ainda mais impossível toda esta história. Uma mãe, com esta idade e com filhos para acabar de criar, não morre, não pode deixar uma tarefa como esta – a maior da sua vida – a meio.
Sinto, como se fosse minha, a dor de todos. E, no entanto, a cidade, indiferente, acorda, agita-se, os risos, o vento, o sol, tudo igual e tudo, para alguns, tão diferente. Tento encontrar sentido naquilo que nunca tem sentido, mergulho neste mar de incertezas que é a vida, a vida dela que já não é, eventualmente parecida com a minha, ainda do lado de cá, ainda por interromper. Como a dela, há uma semana.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Crónica número 5

Ontem passei o meu primeiro recibo verde electrónico. Tenho que confessar que são bonitos, estes novos recibos e que o facto de serem integralmente preenchidos pelo computador confere outra pinta à coisa. Não há cá borrões de tinta, nem carimbos mal amanhados com o nosso nome a descer para a direita e a nunca ficar certo no retângulo. Foi, portanto, uma medida muito acertada, tomada pelo nosso Governo que, ao contrário do que se diz para aí (más línguas) não faz só asneiras. Num país onde a porcaria impera, é de bom tom ter alguma coisa com um aspecto moderno e clean. Os recibos verdes electrónicos têm um aspecto moderno e clean. E para que a justiça seja integralmente feita, tenho que agradecer a poupança que resulta de não ter que comprar a já decrépita Caderneta de Recibos. Só o nome é revelador de uma pobreza e infantilidade levadas ao extremo. “Caderneta”. Cadernetas, ainda tenho algumas, da Pipi, da Heidi e de músicos famosos. Ter uma Caderneta de Recibos é, no mínimo, piroso. Mas como eu ia dizendo, a aquisição de uma Caderneta de Recibos custa 3,60 Euros. Três euros e 60 cêntimos não é brincadeira nenhuma. É dinheiro. Dá para uns cafés, para uma embalagens de pensos de marca branca, para duas embalagens de pão de forma, para duas caixas de cereais marca branca, para seis litros de leite e para muitas outras coisas. É claro que, infelizmente, sempre gastei poucos recibos e, por isso, este era um investimento anual. Poupo, portanto, 3,60 Euros por ano o que é ótimo, em ano de crise. Ainda não fiz foi as contas ao que vou gastar em papel e tinteiros para imprimir os sofisticados recibos. Vá, que do mal o menos, sai o Original e o Duplicado ao mesmo tempo, numa folha A4. Mas mesmo que gaste muito mais, isso não interessa nada, fico com uns recibos que são uma pintarola, graças a quem nos (des)governa. E com papas e bolos, vão-se enganando os tolos.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Crónica número 4

Não sei se já escrevi sobre isto mas, na falta de melhor assunto, cá vai (de novo, se for o caso). Tenho a solução para uma sociedade perfeita. É simples e não sai caro; é infalível e pode começar a qualquer instante. Basta que, nas maternidades, comecem a trocar os recém-nascidos, de maneira a que nenhuma mãe fique com o seu filho. Porquê? Porque somos excelentes educadores dos filhos dos outros. Mal uma mãe tem um filho (ou pare um filho, será que é assim que se diz?) não faltam mulheres, doutoradas na matéria, que se acerquem com um chorrilho de palpites. A criança chora? São cólicas/ gazes/ fralda molhada/ fome/ sede/ falta de mimo/ sono. Resumindo, qualquer mulher tem uma bagagem superior à própria mãe, por mais livros que ela tenha devorado ao longo dos últimos nove meses de vida. A mãe, em desespero de causa, percorre todos os possíveis motivos para tão emotiva gritaria. Descobre a causa. Era fome. Recomeçam as observações. Primeiro devias dar-lhe a mama esquerda; não, diz outra, primeiro é sempre a direita; na minha opinião, isso é indiferente, o que devias era manter o bebé na vertical, para evitar as cólicas; não, isso não é bem assim. Está provado que não reduz as cólicas e prejudica o contacto físico com a mãe que, isso sim, é o importante deste momento; o que é essencial – diz outra sábia – é que não fales enquanto estás a amamentar, porque isso provoca gazes ao bebé.
E isto continua pela vida fora. Já viste as birras que a Lyonce faz (tinha que falar disto)? Se fosse minha filha, eu é que lhe dava as birras… apanhava duas surras naquele traseiro que passava-lhe logo a birra! E a Viiktórya (vão abundar, senhores, vão abundar) que malcriadona! Não tem respeito por ninguém! Também, com uns pais daqueles… se fosse minha filha, enchia-lhe aquela língua com pimenta que ela não havia de dizer palavrões nem outra coisa qualquer por mais de um mês! E já viste como a mãe da Pulquéria a deixa sair para a rua? Com aquela mini-saia e aqueles decotes? Depois que se venha queixar… filha minha não saia assim, nem por cima do meu cadáver!
A teoria continua. Se fosse meu filho, eu é que lhe dizia o tabaco/ a droga/ o vinho. Não lhe dava dinheiro e pronto. Não ando eu a trabalhar para sustentar vícios. Então uma mãe deixa um filho de 21 anos, uma criança, portanto, ir para Nova Iorque com um homossexual de 65? Não lhe pareceu logo estranho? Eu não deixava!
Se trocassem as crianças à nascença e toda a gente educasse filhos alheios, vejam só as vantagens: acabavam-se as birras e os palavrões; as drogas, o alcoolismo e o tabagismo; as vidas perdidas, a pouca vergonha.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Crónica número 3

Obriguei-me, no início deste ano, a escrever uma crónica por dia. Mas como convivo muito pouco, é difícil ter assunto. E como boa portuguesa que sou, quando não tenho mais nada para dizer, falo sobre o tempo. Mas não sou a única e ainda bem. Os telejornais fazem o mesmo, o que me deixou mais contente. À falta de outro assunto (parece que o Sr. Carlos Silvino resolveu vir quebrar o gelo), as notícias são sobre o tempo. Esta é a introdução de um texto que já escrevi ontem, por isso a coisa não vai ficar assim muito bem. Como é um remendo (porque o texto estava muito pequeno e eu também me obriguei a escrever umas linhas consideráveis) vai ficar a parecer isso mesmo, um remendo.
Ora o Inverno, em Portugal, é frio. É Janeiro. Janeiro, para além de ser o primeiro mês do ano, situa-se no Inverno. Logo, parece-me normal que esteja frio. Mas deve ser só a mim, porque os noticiários fazem disso grande alarido. Anteontem, uma notícia dava conta que estariam 5 graus negativos na Guarda, à hora em que os padeiros entram ao serviço, o que deve querer dizer de madrugada. Ontem ao almoço, os jornalistas anunciavam que as temperaturas iam descer ainda mais. Avisava-se para que as pessoas tivessem cuidado com os aquecedores e com as lareiras. Eu, que me preparava para me meter na lareira, assim sendo, vou ter mais cuidado. Vou chamuscar só os pés, já que tiveram a gentileza de me avisar que as lareiras podem representar um perigo. E em relação aos aquecedores, também estava a pensar cobri-los com a roupa que ainda não acabou de secar mas, dado o aviso, vou deixá-la a secar no estendal. A isto chamo serviço público. Se não são estas almas a prevenir, a gente ainda morre e ninguém sabe como! Este ano ainda não ouvi mas, no ano passado, os pivôs dos telejornais recomendavam: se tiver que sair de casa leve um agasalho, cachecol, gorro e luvas, para ajudar a combater do frio. Ufa! Se não é esta malta a avisar, andávamos nós para de t-shirt e era um problema, porque ainda nos podíamos constipar.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Crónica número 2

Aquilo que não temos é que é bom. Há oito anos que trabalho por minha conta e acho que o bom, bom, era quando trabalhava por conta de outrem. Só me lembro dos excelentes ambientes de trabalho por onde passei, de ter compromissos, de conhecer gente interessante e ficar a saber de coisas que não fazia a mínima ideia de como funcionavam. Recordo, com saudade, da partilha que a equipa fazia dos saberes que ia adquirindo. Nesses ambientes de trabalho e entre colegas, partilhávamos também experiências pessoais, falávamos das nossas ambições, trocávamos ideias, trocávamos jantares e almoços. E é disto que me lembro e, por isso, tenho muitas saudades do tempo em que trabalhava fora. De comprar uma camisa nova e alguém reparar, de um elogio quando ia ao cabeleireiro ou pintava as unhas.
Mas deixando de lado esta vertente romântica da coisa, havia cenas que eram uma verdadeira chatice, para não usar uma palavra feia. Ter que aturar patrões que não sabiam bem o que queriam, que diziam que hoje gostavam de preto, mas amanhã já gostavam de azul, de reuniões intermináveis que não chegavam a lado nenhum e que atrasavam a hora de saída, de conduzir feita uma doida para ir buscar a minha filha a casa dos meus pais, à hora em que já devia estar a deitá-la, ter que fazer trabalhos que me agradavam pouco ou, pior ainda, não me agradavam nada, ter que explicar que nem tudo o que se aprende nas faculdades é para se pôr em prática, são algumas dessas cenas maradas. Não ter sábados, domingos e feriados, trabalhar, por vezes, sete dias por semana e receber o mesmo, receber depois de todos os restantes colegas eram outras que, vá, causavam-me alguns, vá, digamos que, aborrecimentos.
Colocado tudo na balança, é claro que os pratos ficam desequilibrados e nessa altura digo baixinho “sou uma abençoada”. Mas por baixo destas palavras, como se fossem uma sombra, lá estão elas. As saudades. E sei que, se estivesse num ambiente de trabalho com muita gente, pensaria “que bem que eu estava a trabalhar por minha conta. Podia gerir os meus horários, sem ter que estar a aturar malucos”.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Crónica número 1

Ia jurar que tinha sido mesmo ontem, mas dizem-me que não. Que já passou muito tempo, apesar de eu sentir e ter para mim que ainda foi ontem. Ainda foi ontem que saltei da cama e a minha roupa estava já preparada para eu vestir. Ali, direitinha, nas costas da cadeira. O penteado, o mesmo de sempre, duas longas tranças, uma de cada lado da cabeça. Com uma paciência infinita, os cabelos, sempre muitos, eram passados daqui para ali, por entre os dedos da minha mãe. Eram sempre tranças, que com aquele volume de cabeleira, que pareciam duas em vez de uma, não dava para arrumar de outro modo. Fui para a escola, a pé, por uma berma de estrada que era isso mesmo, uma berma de estrada, não era um passeio. Eu e os meus amigos, como sempre, estrada acima, os carros a deslizar nos paralelos. Chegámos e mal vimos a professora, começámos a dizer, como em tantas outras ocasiões, “olha a nossa senhora!”. A nossa senhora era a professora, não era a mãe de Jesus. Trocamos os sapatos pelos chinelos – assistimos às aulas de chinelos, para não sujar a alcatifa – e assim ficámos até ao intervalo. Foi ontem, sim, que sai para o intervalo de braço dado com a Jacinta e com a Sandra e andámos às voltinhas pelo recreio. Os intervalos, muitos deles, eram passados assim, às voltinhas pelo recreio, e ontem não foi excepção. Também brincámos ao “Papá Ferreira, dominó, a demissão, dominó, comprei um ferro, dominó, ferro de carvão, dominó, para passar, dominó, o meu roupão, se esta terra fosse minha, dominó, mandaria construir, dominó, um palácio de cristal, dominó, a demissão”. Não sabia bem o que estava a dizer mas sempre gostei do som da ladainha e do bater ritmado das palmas. Mais um tempo de aula e lá vim, eu e os outros, estrada abaixo, para casa. O almoço, o mesmo sacrifício de sempre, mas depois muita e muita brincadeira, com a Paula, a Márcia, a Sílvia e o Rui. As nossas risadas só foram interrompidas com a chamada para o lanche e, horas depois, para o jantar. Tudo prontinho, como sempre, foi só comer, tomar banho e vestir o pijama. Dizem-me que não foi ontem que isto se passou, que já foi há muito tempo, no tempo em que o tempo corre a nosso favor, é nosso amigo, é mais longo e mais brando. Mas eu não acredito. Tenho para mim que ainda foi ontem e não fosse a roupa não estar, direitinha, na cadeira, à minha espera para eu a vestir, diria que o ontem se ia repetir hoje e amanhã. Mas a roupa não está e vejo agora que o pequeno-almoço não está na mesa, que o meu cabelo encolheu e que já não dá para fazer as duas longas tranças, uma de cada lado. Os meus amigos não estão à minha espera, à porta, e não encontro a mochila para pôr às costas. Também não vejo a minha mãe, os meus irmãos, não está ninguém, só eu, num tempo que eu não conheço.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Ganda verdade!

Ontem, o Sr. Professor Cavaco Silva disse uma grande verdade, no seu tempo de antena para as próximas presidenciais. "Quem votar em mim já sabe com o que pode contar". Nunca estive mais de acordo com ele e cada vez acho que os portugueses merecem os políticos que têm e merecem todo este pântano em que nos encontramos. Já sabemos o que eles fazem, queixamo-nos do que eles fazem (ou do que deixam de fazer) mas na hora H, votamos sempre nos mesmos. Não sou apoiante de nenhum partido político e tento, em cada eleição, ouvir o que dizem os candidatos, apreciar as suas propostas e votar em consciência. Como o meu marido é do PSD, alguns acham que eu também sou; outros dizem que eu tenho uma costela sindicalista e outros ainda acham que eu me inclino para o PS. O carneirismo sempre me assustou um bocado e ser de um partido, independentemente das pessoas que lá estão, das suas atitudes e principios, é um acto de coragem, ou de burrice ou ambos, não sei bem.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ui, que difícil

Já aqui fiz o balanço de 2010. Foi fácil. O que me deixou sem resposta foi a pergunta: Planos para 2011? Não consegui dizer uma palavra. Uminha, sequer. Esta treta de viver, literalmente, um dia de cada vez deixa-me assim, desamparada. Acho que vou mudar de teoria.
Tenho saudades de ter muitos planos, projectos. De me sentar com o mais-que-tudo a desenhar como ia ser isto ou aquilo. Tenho saudades de ter estabilidade para fazer planos.
Sei que não vale a pena dramatizar, porque isto passa.

Dá Deus nozes...

Pergunta, depois de ir buscar as notas: Deve ser bom ser boa aluna, não?
Resposta: Às vezes é um bocado enfadonho.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Balanço... mas não caio

Conquistas de 2010 (ordem sem qualquer critério de importância):
- Compramos mobília nova para a sala (depois de 17 anos a conviver com uma de que não gostava. Isto só para perceberem a relevância deste ponto);
- Fizemos alterações logisticas aqui em casa;
- Tirei o curso de Massagem nas Escolas (já o perseguia há algum tempo);
- Reavivei relações;
- Escrevi e editei um livro infantil;
- Candidatei-me a um trabalho;
- Fui vendedora na Feira do Doce;
- Participei no 1º Bazar do Ikea.
Isto só para falar das coisas mais invulgares, claro está. Mas não foi mau, não senhora!

Aniversário


Em 2009 tomei uma decisão acertada. Decidi comemorar o meu aniversário em dois tempos: um no dia, para a família, outro mais tarde, com os amigos. Isto porque faço anos a 29 de Dezembro, ou seja, a meio do Natal e da Passagem de Ano, precisamente na altura em que há mais festas por metro quadrado. Ora assim sendo, e volvidas décadas a viver sucessivas festas de anos com malta fartinha de comer disparates, decidi que o dia seria para a família, com um almoço sóbrio e sobremesas a condizer. Com o restante people, logo se vê. A primeira parte deste aniversário correu muito bem, com tudo bem disposto e de saúde, que é o que se quer. Adoro cada uma das pessoas que passou comigo este aniversário. São todas diferentes mas muito especiais. A forma como cada uma delas está na minha vida é, sem dúvida, o melhor presente de aniversário que alguém pode receber.