quarta-feira, 14 de março de 2012

Uma cena bué de fora

A 293 dias do final do ano.

O chato de se ser mãe é ter que educar. Ser a amigalhaça, a modernaça, é, em contrapartida, o melhor da festa. Passar um serão a experimentar vernizes e a colar-lhes florinhas por cima, inventar penteados, ouvir confidências, andar às compras para estar sempre na moda, aprender o calão em vigor é bué de bué! Deitar conversa fora, rejuvenescer com as histórias que contam e repetem, colar um piercing no nariz só para ver qual é a sensação é cool! Porque é que depois tem que vir a parte cortes? Porque é que tem que haver esta cena, bué de fora, de ter que estar sempre a insistir para que comam a sopa e legumes, para que estudem e se comportem, para que se levantem a horas de ir para a escola?
Estas cenas, uma beca de maradas, perturbam a relação mãe-filha. Festa é o que está a dar! As chatices que se evitam se se for uma mãe amigalhaça: é igual se as crias chegam ou não atrasadas à escola(sem stress, acabam por chegar sempre a tempo de qualquer coisa, há aulas até tarde, dahhhh); se as crias se portam mal na escola, a culpa é dos professores que não têm pulso nelas, são demasiado permissivos (as mães, por acaso, não, é pão numa mão e bolo na outra); se em vez de comerem sopa preferirem gomas e chocolates, no problem, há que aproveitar enquanto não têm problemas de saúde; se não querem estudar, é porque os professores não as motivam (e toca mas é de ver a novela das cinco, que já se está a fazer tarde).
As que andam sempre em cima ficam velhas. Quando os filhos têm testes, ficam nervosas. Enquanto esperam pelos resultados dos testes, ficam nervosas. Não comem de jeito porque estão sempre a tentar que os filhos comam o que devem. Correm como se não houvesse amanhã, para estarem à porta das escolas antes dos filhos sairem. Estudam que se fartam para relembrar as matérias que já ficaram esquecidas e assim poderem acompanhar melhor os estudos dos filhos. Lêem os livros sobre os quais os filhos têm que fazer fichas de leitura, para se certificarem que estas ficam bem feitas. E depois vem a parte que mais mói. Quando há deslizes, há que repreender, uma e outra vez, até chegar ao castigo. Os pais de outrora, não se maçavam muito. Pouco imaginativos, era galheta para qualquer asneira e pronto. Agora não se bate nos meninos e há que usar a imaginação. Para cada erro, cada castigo. Dá trabalho estar a pensar em vários castigos.
Eu, por exemplo, estou a ficar sem recursos. E os dois últimos que apliquei acho que me causaram mais danos a mim do que à castigada.

sábado, 10 de março de 2012

Festival da Canção

A 296 dias do final do ano.

Quando liguei a televisão e vi que estava a dar o Festival da Canção, não pude deixar de recordar o que isto era há algumas décadas atrás. Há algumas décadas atrás, não muitas, isto era motivo para formigueiro na barriga. O serão era planeado em função deste evento, de envergadura nacional. Só para dar uma ideia mais concreta, lembro-me de ter assistido a um destes festivais num café, juntamente com os meus pais, irmã e uma família vizinha. Viemos todos para "O Trem", situado onde se encontra ainda hoje, no largo da estação. Os adultos mandaram vir uns petiscos e ali ficaram, olhos pregados no écran, a assistir e a comentar a cada motivmento. Nós, os mais pequenos, respeitávamos a seriedade da coisa, mas ninguém se importava que não fossemos assim, tão ferverosos devotos. Por isso, eram-nos permitidas umas escapadelas. E para onde íamos nós brincar? Para a estação de combóios, lugar seguríssimo, onde parecia, na verdade, não haver ponta de perigo a espreitar. Brincávamos a saltar nas pedras escuras da calçada, fintando, a custo, as muitas pedras brancas. Meia volta, íamos ao café ver como estavam os ânimos, cada vez mais exaltados, à medida que o programa ia avançando. Das mesas saltavam os nomes dos favoritos, nervos à flor da pele e petiscos no bucho, que, como toda a gente sabe, nervos e comida são grandes aliados. No final, a contragosto, lá se aceitava a decisão dos jurados que votavam a partir da capital de cada distrito. Há 30 anos era assim. Hoje, estou eu aqui, no computador, o meu marido no outro computador e a minha filha mais nova aos saltinhos na sala, a dançar.
Já ninguém se reúne em torno do televisor e ninguém vai brincar para a estação de combóios. Visto assim, já não sei o que é mais estranho: se o Festival da Canção ser um evento nacional, se ser possível 3 crianças brincarem, sozinhas, à noite, numa estação de combóios.